“Eu sabia muito bem que com um pau não se pode matar um pássaro, nem mesmo deflagrar qualquer tiro... se a gente começasse a pensar desse modo, então não deveria mais andar a cavalo nas cadeiras. E, entretanto o próprio Volódia haveria de recordar muito bem que durante os compridos serões de inverno nós cobríamos uma poltrona com xales e a transformávamos em carruagem. Um fazia de cocheiro, o outro de lacaio, e as meninas ficavam no meio: as três cadeiras eram a tróia de cavalos, e nos púnhamos a caminho. E que aventuras nos aconteciam nessa viagem imaginária! E com que rapidez se passavam os longos e alegres serões de inverno! Se se enxerga tudo com os olhos da razão,já não é possível brincar. E se não se brinca,que nos resta então?”
Léon Tolstoi
O presente trabalho tem como objetivo salientar a importância da brincadeira na Educação Infantil. A intenção é mostrar que essa atitude, o ato de brincar, deve estar além dos objetivos escolares.
Brincando a criança tem condições de se desenvolver saudavelmente, além de despertar questões fundamentais no desenvolvimento da linguagem,do pensamento, do raciocínio lógico, do desenvolvimento motor, entre outros.
A criança pequena precisa de espaço para crescer. Isso se dá na pré-escola,primeiro contato que ela tem com a cultura escolar. É necessário que a escola, educadores e pais tenham a consciência de que a criança não é um adulto em miniatura. Para entender o sistema cultural em que está inserida é preciso assimilação, o que acontece nessa simples atitude infantil,que não é inata, a brincadeira. Esta oferece às crianças uma ampla estrutura básica para mudanças das necessidades e tomada de consciência: ações na esfera imaginativa, criação das intenções voluntárias, formação de planos da vida real, motivações intrínsecas e oportunidade de interação com o outro, que sem dúvida, contribuirá para seu desenvolvimento.
A importância da brincadeira na Educação Infantil
Um breve histórico
O papel social que a criança ocupa hoje em nossa sociedade é totalmente diverso daquele que existia em séculos passados. Na Idade Média, por exemplo, não existia uma separação clara daquilo que era adequado às crianças e o que seria para a vivência dos adultos.Isso evidencia que um tratamento diferenciado aos pequenos não acontecia.
Anteriormente a brincadeira era considerada como fuga ou recreação e essa imagem social da criança não permitia a aceitação de um comportamento infantil, espontâneo, que pudesse significar algum valor em si.
Com inícios dos trabalhos de Comenius (1593), Rousseau (1712) e Pestalozzi (1746) aparece um novo sentido de infância, que protege as crianças e as ajudam a encontrar um espaço social significativo. Começa a elaboração de métodos para se trabalhar com os pequenos.
Em seguida, sob a influência do pensamento e da filosofia de suas épocas, cada um á sua maneira, os pedagogos Friedrich Froebel (782-1852), Maria Montessori (1870-1909) e Ovide Decroly (1871-1932) elaboraram pesquisas sobre crianças pequenas, dando bastante influência da educação sobre o desenvolvimento infantil.
Passemos por conhecer as contribuições específicas de cada um desses pesquisadores que valoraram consubstancialmente o espaço que a infância ocupa hoje.
• Friedrich Froebel: Sua principal contribuição pedagógica resulta da atenção para com as crianças anterior ao ensino elementar, ou seja, a educação da primeira infância. Pioneiro, funda Kindergarten (jardins de infância, em alusão ao jardineiro que cuida da planta desde pequenina para que cresça bem, pressuposto que os primeiros anos do homem são básicos para sua formação. Froebel privilegia a atividade lúdica por perceber o significado do jogo e do brinquedo para o desenvolvimento sensório-motor e inventa métodos para aperfeiçoar as habilidades. Estava convencido de que a alegria do jogo levaria a criança a aceitar o trabalho de forma mais tranqüila. A fim de estimular os impulsos criadores na atividade lúdica, inventa cuidadoso equipamento constituído de séries de materiais oferecidos às crianças de acordo com a fase em que se encontram. As construções da primeira série foram por ele chamadas dons, como se fossem “dádivas divinas”. Os dons são materiais destinados a despertar a representação da forma,da cor,do movimento e da matéria,sendo que o primeiro e mais universal “dom” é a bola;o segundo,a bola,o cubo e o cilindro;o terceiro é formado pela divisão dos cubos desmontáveis. Além dos dons,Froebel destaca as ocupações,de modo especial a tecelagem,dobradura e recorte.O canto e a poesia também são utilizados,sobretudo para facilitar a educação moral e religiosa. É inegável a influencia da pedagogia de Froebel difundida nos jardins de infância de todo mundo.
• Ovide Decroly: Destaca-se pelo valor que deu ao desenvolvimento infantil. Para ele, a educação não se constitui de uma preparação para a vida adulta. A criança deve, segundo Decroly, resolver as dificuldades compatíveis ao seu momento de vida. Dizia que a necessidade gera o interesse, verdadeira motivação para a busca do conhecimento. Pelo seu método, mais conhecido como Centros de Interesse, a criança aprendia por observação, associação e expressão. A educação ocorria inspirada pelo cotidiano. Do ato de comer, por exemplo, poderia surgir o estudo da alimentação, a origem dos alimentos, sua classificação, o preparo e a produção. Decroly transformou a maneira de aprender e ensinar, adequando-as à psicologia infantil. O conceito de interesse é fundamental para ele. A necessidade gera o interesse e só este leva ao conhecimento. Fortemente influenciado pelas idéias sobre a natureza intrínseca do ser humano preconizada por Jean – Jacques Rousseau. Decroly atribuía às necessidades básicas a determinação da vida intelectual. Para ele, as quatro necessidades humanas são comer,abrigar-se ,defender-se e produzir.
• Maria Montessori : Desde menina manifesta interesse pelas matérias científicas,principalmente matemática e biologia,resultando em conflito com seus pais,que possuíam o desejo que ela seguisse a carreira de professora. Indo contra a expectativas familiares,ela se inscreve na Faculdade de Medicina da Universidade de Roma,escolha que a levou a ser, em 1896,a primeira mulher a se formar em medicina na Itália. Após sua formatura,iniciou um trabalho com crianças com necessidades especiais na clínica da universidade,vindo posteriormente dedicar-se a experimentar em crianças sem comprometimento algum,os procedimentos usados na educação dos que tinham comprometimento. Observou também,crianças que ficavam brincando nas ruas e criou um espaço educacional a estas crianças. Responsável também pela criação do método Montessori de aprendizagem,como especialmente por um material de apoio em que a própria criança observa se está fazendo as conexões corretas.
O que é brincar?
Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e autonomia. O fato de a criança,desde muito cedo,poder se comunicar por meio de gestos,sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação.Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes,tais como a atenção,a imitação,a memória,a imaginação.Amadurecem também algumas capacidades de socialização,por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais.
A diferenciação de papéis se faz presente sobretudo no faz –de –conta ,quando as crianças brincam como se fossem o pai,a mãe,o filhinho,o médico,o paciente,heróis e vilões etc., imitando e recriando personagens observados ou imaginados nas suas vivências. A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas,sobre o eu e sobre o outro.
No faz de conta,as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma pessoa,de uma personagem,de um objeto e de situações que não estão imediatamente presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam emoções,sentimentos e significados vivenciados em outras circunstâncias. Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar a vida como também de transformá-la. Os heróis,por exemplo,lutam contra seus inimigos,mas também podem ter filhos,cozinhar e ir ao circo.
Ao brincar de faz – de –conta,as crianças buscam imitar,imaginar,representar e comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra,que uma pessoa ser um personagem,que uma criança pode ser um objeto ou um animal,que um lugar “faz – de –conta” que é outro.Brincar é,assim,um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente. Pela repetição daquilo que já conhecem,utilizando a ativação da memória,atualizam seus conhecimentos prévios,ampliando-os e transformando-os por meio da criação de uma situação imaginária nova. Brincar constitui-se,dessa forma,em uma atividade interna das crianças,baseada no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade,sem ser ilusão ou mentira.Também tornam-se autoras de seus papéis,escolhendo,elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos,sem a intervenção direta do adulto,podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das pressões situacionais da realidade imediata.
Quando utilizam a linguagem do faz – de – conta,as crianças enriquecem sua identidade,porque podem experimentar outras formas de ser e pensar,ampliando suas concepções sobre as coisas e pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou personagens.Na brincadeira,vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência,assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos,das emoções e das construções humanas.isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhadas em situações de interação social.Por meio da repetição de determinadas ações imaginadas que se baseiam nas polaridades presença / ausência.bom/mal,prazer/desprezer,passividade/atividade,dentro/fora,grande/pequeno,feio/bonito etc., as crianças também podem internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos,desenvolvendo um sentido próprio de moral e justiça.
Brincar fornece às crianças a possibilidade de construir uma identidade autônoma,cooperativa e criativa. A criança que brinca adentra o mundo do trabalho,da cultura e dos afetos pela via da representação e da experimentação.A brincadeira é um espaço educativo fundamental da infância. Ao contrário do que se acredita,nenhuma criança nasce sabendo brincar.Os bebês têm de aprender a brincar com seus semelhantes,adultos ou crianças mais velhas.
O movimento e as sensações de movimento são os primeiros divertimentos que os adultos oferecem às crianças.No início,os bebês podem ser objeto de prazer dos adultos,seus bonecos ou brinquedos.No entanto,as crianças não recebem passivamente essa atenção dos adultos:elas interagem com eles.A criança aprende a brincar assim como aprende a se comunicar e a expressar desejos e vontades.
A brincadeira é uma atividade social.Depende de regras de convivência e de regras imaginárias que são discutidas e negociadas incessantemente pelas crianças que brincam. É uma atividade imaginativa e interpretativa.
Imaginação e imitação
No desenvolvimento infantil os símbolos ocupam lugar preponderante.Isto ocorre porque a formação da linguagem e do pensamento necessita de imagens representativas onde a criança se apercebe do mundo.Ela “tem necessidade de outro sistema de significantes,mais individual e mais “motivado”: os símbolos,cujas formas mais correntes na criança pequena se encontram no jogo simbólico ou de imaginação” ( Piaget,2007)
Através da imaginação a criança consegue assimilar,reeditar a sua realidade:
“É fácil dar-se conta de que estes jogos simbólicos constituem uma atividade real do pensamento,embora essencialmente egocêntrica,ou melhor duplamente egocêntrica.Sua função consiste em satisfazer o eu por meio de uma transformação do real em função dos desejos:a criança que brinca de boneca refaz sua própria vida,corrigindo-a à sua maneira, e revive todos os prazeres ou conflitos,resolvendo-os,comparando-os ,ou seja,completando a realidade através da ficção.” (Piaget,2007)
Por conseqüência, e ao mesmo tempo, tem-se a imitação, aonde os pequenos vão se acomodando ao mundo em que vivem “é a imitação retardada, ou seja, a imitação produzida pela primeira vez na ausência do modelo correspondente.” (Piaget,2007). Isso pode ser observado na criança desde bebê quando aprende a imitar os gestos daqueles que estão ao seu redor:
“Sabe-se que o lactante aprende pouco a pouco a imitar, sem que exista uma técnica hereditária da imitação. Primeiramente,é simples excitação, pelos gestos análogos do outro,movimentos visíveis do corpo (sobretudo das mãos) que a criança sabe executar espontaneamente, em seguida a imitação senso-motora torna-se uma cópia cada vez mais precisa dos movimentos que lembram os movimentos conhecidos;e finalmente,a criança reproduz os movimentos novos mais complexos...” (Piaget,2007)
A imitação tem papel importante no desenvolvimento dos pequenos e esta ação encontra-se nas brincadeiras infantis. Ambas, imitação e imaginação favorecem o desenvolvimento da linguagem.
Ao brincar a criança se socializa e desenvolve aspectos fundamentais que serão a base da construção dos mecanismos da linguagem:
“a troca e a comunicação entre os indivíduos são a conseqüência mais evidente do aparecimento da linguagem. Sem dúvida, estas relações interindividuais existem em germe desde a segunda metade do primeiro ano, graças à imitação, cujos processos estão em íntima conexão com o desenvolvimento senso-motor.” (Piaget, 2007)
Monólogos
Ao interagir entre si no ato de brincar a criança se socializa. Se houver a análise das conversas nesse momento espontâneo observa-se que elas falam de si para si, ou seja, não há trocas de pensamentos “falando como que para si mesmas” (Piaget, 2007). Esses “monólogos coletivos” oferecem à criança condições de desenvolverem a linguagem e de exteriorizar o “eu” latente na fase dos dois aos sete anos de idade. “Estes verdadeiros monólogos, como os coletivos constituem mais de um terço da linguagem espontânea entre crianças de três e quatro anos, diminuindo por volta dos sete anos” (Piaget, 2007)
A brincadeira do faz- de- conta
Para Vygotsky (1998), a brincadeira de faz-de-conta cria uma zona de desenvolvimento proximal,pois no momento que a criança representa um objeto por outro,ela passa a se relacionar com o significado a ele atribuído,e não mais ele em si.Assim,a atividade de brincar pode ajudar a passar ações concretas com objetos para ações com outros significados,possibilitando avançar em direção ao pensamento abstrato. Tanto Piaget quanto Vigostsky concebem o faz-de-conta como atividade muito importante para o desenvolvimento.
O espaço da brincadeira
Recentemente tem-se discutido bastante a questão da diminuição de espaço e tempo para as brincadeiras infantis nos lugares educacionais como pré-escolas. Gisela Waiskop em seu livro “Brincar na pré-escola” alerta sobre este assunto . Para ela a escola tem sistematizado o lugar do brincar atribuindo sempre um objetivo pedagógico e de natureza funcional. Ao analisar uma turma em uma escola pública aponta que não havia a liberdade para os pequenos interagirem entre si e o espaço da escola não era adequado. Por exemplo, as crianças não podiam fazer barulho no recreio para que não atrapalhassem os menores, tendo assim seu desenvolvimento limitado, já que não podiam brincar em um momento livre. Mostra a postura da educadora referida turma que não possibilitava momento de troca entre os educando,perdendo vários ganchos de possibilidade de aprendizagem. Tudo isso para manter a ordem e para que os exercícios repetitivos distribuídos aos alunos fossem eficazes. Reduzindo assim o grande o papel que a brincadeira tem no espaço de educação infantil.
É mister saber da importância da ludicidade no processo de ensino aprendizagem e “ o espaço da instituição deve ser um espaço de vida e interação e os materiais fornecidos para as crianças podem ser uma das variáveis fundamentais que auxiliam a construir e apropriar-se do conhecimento universal.” ( Gisela Waiskop,1999)
Nesta perspectiva brincar na pré-escola faz parte de um conjunto muito maior do que se pensa. É matéria puramente humana que auxilia no processo do desenvolvimento das crianças. É respeitar o limite de cada um dando espaço e tempo para um crescimento saudável.
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